A promessa de desenvolvimento sempre exerceu uma espécie de fascínio à esquerda e à direita do espectro político. Ao mesmo tempo que anunciava bem-estar e qualidade de vida, reduzia todos os aspectos da existência humana – e a diversidade cultural dos povos – aos parâmetros estabelecidos pelo mercado e pelo consumo.
Descolonizar o imaginário propõe um debate sobre o desenvolvimento em uma perspectiva ampla e diversa. Seus treze ensaios apresentam uma reflexão crítica ao modelo de integração subordinada da América Latina no mercado global
neoliberal – que não foi abandonado após a ascensão dos governos progressistas.
Mais do que isso, os textos fomentam, assim, um diálogo urgente sobre a necessidade de construir um horizonte renovado para superar as contingências típicas do Estado patriarcal, colonial e classista.
Sabemos que o descobrimento da América foi o encobrimento dos povos que aqui viviam. E que longe de instaurar o sistema-mundo, na verdade, lhe deu outra configuração. Afinal, as relações entre este continente que habitamos e a Ásia remontam ao período da última glaciação, quando as calotas polares os uniam.
A Europa só deixaria de ser um conjunto de penínsulas da Ásia que avançam sobre o Atlântico a partir de 1492, momento primordial de sua afirmação como um continente; afirmação que configura uma aberração geográfica e mostra a força da imaginação do poder/saber eurocêntrico. Foi só a partir do encontro com o Anahuac, Karib, Tawantinsuyu, mapudungun/pehuén, Pindorama, Abya Yala, que os europeus adquirem centralidade geopolítica e cultural.
Tomar 1492 como marco para a América é invisibilizar/inviabilizar povos ancestrais que se reinventaram em re-existência nesses últimos 500 anos de invasão. Nosso espaço-tempo passa agora por uma reconfiguração. Não só o Atlântico Norte está deixando de ser o centro geopolítico, e sobretudo econômico, como o sistema-mundo parece se reorientar, com a China ganhando centralidade.
Ruy Mauro Marini já nos alertara para o caráter assimétrico do sistema-mundo capitalista, em que caberia à periferia se inscrever através da superexploração do trabalho e desenvolver o subdesenvolvimento. Hoje, diríamos, é necessário ampliar a fecunda inspiração de Marini e considerar a superexploração do trabalho enquanto superexploração da Natureza, com toda a devastação-exploração decorrente, ainda mais quando já podemos sentir o colapso ambiental trazido pelo êxito – e não pelo fracasso – do sistema de saber/poder do sistema-mundo que põe toda a Humanidade em risco.
É a própria ideia de progresso e desenvolvimento fundada na máxima da “dominação da Natureza” de Francis Bacon que está sendo objeto de críticas práticas desde os territórios de vida. Todo um rico léxico teórico-político vem sendo tecido desde os mundos de vida por grupos/classes sociais que, todavia, buscam superar as limitações locais sem abdicar do poder local para que o “poder sobre” não volte a se afirmar contra o “poder com”, seja pela direita, seja pela esquerda.
Este livro é parte da densidade teórico-prática deste continente que já nos deu tantas contribuições teóricas de ponta – como a teoria da dependência, a pedagogia do oprimido, a filosofia da libertação, a ecologia política desde os territórios (desde abajo), a teoria do colonialismo interno, a teoria da autopoiesis, a teoria da investigação-ação participativa – e, hoje, nos oferece a “luta pela vida, pela dignidade e pelo território”, que nos aponta ao Estado plurinacional, ao Bem Viver, à interculturalidade, à Natureza como bem comum.
Novos/outros horizontes de sentido estão surgindo nesse processo de transformação de longa duração. Essa compreensão dos múltiplos tempos que habitam o espaço, em suma, o espaço-tempo (pacha, como se diz no mundo andino), nos indica as múltiplas fontes de imaginação que emanam de múltiplos grupos/classes sociais a partir de seus territórios em disputa. E falar de vida, dignidade e território é outro horizonte de sentido que parece indicar algo diferente de liberdade, igualdade e fraternidade, horizontes em que direita e esquerda vêm se mantendo. Enfim, para além do capitalismo e da colonialidade.
— Carlos Walter Porto-Gonçalves